4/21/2008

Empresas Sociais: um framework ainda indefinido.

As Empresas Sociais são marcadas por duas características principais: possuem um claro propósito social e adotam uma estratégia financeira sustentável e própria. Ao adotar esse modelo, as Empresas Sociais unem a missão social típica do Terceiro Setor com a eficiência e estrutura do Segundo Setor. De maneira geral, elas se tornam mais competitivas do que as organizações sociais na busca por profissionais, pois podem oferecer salários mais atraentes, assim como, de maneira geral, assumem estrutura capaz de oferecer mais empregos. Quando comparadas às empresas tradicionais, têm a vantagem de possuir uma missão social que incentiva o comprometimento dos funcionários.

Nos EUA, o assunto passou a ser difundido em 1993 com a criação da ‘Social Enterprise Initiative’ pela Harvard Business School. Ao longo do tempo, outras universidades criaram seus centros de estudos e apoios a empreendedores sociais, porém o conceito de Empresas Sociais nos EUA permanece amplo e vago em sua maioria das vezes, referindo-se principalmente a atividades econômicas orientadas pelo mercado que servem a objetivos sociais. Isso seria uma resposta ao problema de funding das organizações sem fins lucrativos. Ademais, o conceito abrange também as organizações com finalidade lucrativa engajadas em atividades socialmente benéficas (filantropia corporativa).

Segundo Defourny e Nyssens, na Europa, o conceito apareceu no início dos anos 1990 no coração do Terceiro Setor, em conjunto com o movimento co-operativo. Mais precisamente, o parlamento italiano, em 1991, estabeleceu uma nova forma legal para ‘social co-operatives’. Para Borzaga, as cooperativas surgiram para responder as necessidades que não eram, ou pelo menos não completamente, supridas pelos serviços públicos.

Uma nova fase para as Empresas Sociais aconteceu em 2002 no Reino Unido com o lançamento da ‘Social Enterprise Coalition’ e da ‘Social Enterprise Unit’ pelo governo Blair, com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre o assunto e promover Empresas Sociais em todo o país. Dessa maneira, o Ministério da Indústria e do Comércio, responsável pela Unit, estabeleceu seu conceito e uma forma legal, aprovada pelo parlamento em 2004, denominada de ‘Community Interest Company’ (CIC). Para o Ministério, configuram-se CIC as organizações que são dirigidas primordialmente por objetivos sociais e que conseguem sustentabilidade através do comércio. No entanto, muitas dessas organizações ainda dependem de incentivos governamentais, o que deve ser superado conforme o desenvolvimento do setor.

Há ainda outras interpretações, segundo Defourny, mais relacionadas ao movimento de Responsabilidade Social que também denominam de Empresas Sociais as empresas que buscam aumentar o impacto social de seus produtos e cadeias de produção. Além disso, há aqueles que encaram ‘Social Enterprises’ como organizações do Terceiro Setor, que são, normalmente, cooperativas ou ONGs sem fins lucrativos, para as quais o impacto social não é apenas efeito de suas atividades econômicas, mas suas motivações.

Outros frameworks legais surgiram em países europeus: na França, as ‘Sociedades Cooperativas de Interesse Coletivo (Société Coopérative D`interêt Collectif); na Bélgica, as empresas com finalidade social (Société à finalité sociale); na Itália, o pioneiro marco legal para Cooperativas Sociais (Cooperative Sociali).
Ainda que haja diferença entre os conceitos de Empresas Sociais adotados ao redor do mundo, as especificidades de cada um se referem a, relativamente, os mesmos temas: distribuição de lucros, processo decisório, missão social e econômica.
Um outro ponto de vista advém não do Terceiro Setor, mas do Segundo Setor. Algumas empresas têm voltado seus olhares ao denominado mercado de baixa renda ou mercado da base da pirâmide (referindo-se a distribuição de renda da população). Algumas empresas perceberam que os mercados, especialmente nos países emergentes, deixaram de atender necessidades básicas de milhões de pessoas, principalmente relacionadas à saúde, educação, finanças, habitação e alimentação. Prahalad e Hart apontam que o maior desafio do ambiente corporativo é mudar a lógica dominante nos negócios para que os executivos passem a enxergar mercados de baixa renda como oportunidades de negócios. Para eles, as Corporações Multinacionais (CM) possuem um papel crucial em atender as necessidades de aproximadamente 80% da população mundial que é ignorada ou mal atendida pelo setor privado.

Nesse sentido, diversas iniciativas começam a surgir em países em desenvolvimento. Na Índia, por exemplo, a Hindustan Lever, mundialmente conhecida como Unilever, desenvolveu algumas estratégias para esse mercado. Um das estratégias mais conhecidas é o Projeto Shakti, que, em hindi, significa “força”, “empoderamento”. Com essa estratégia a empresa pretendia acessar um mercado de 250 milhões de consumidores rurais em comunidades com 500 habitantes ou mais que eram considerados inacessíveis ou com baixo potencial para negócios. A estratégia de distribuição contava com mulheres empreendedoras Shakti. Após um período de treinamento, as mulheres realizam venda-direta de produtos shakti em suas comunidades e conseguem incrementar, na média, a renda familiar em 100%. O Programa é hoje um negócio de aproximadamente US$ 40 milhões.

No México, experiências nesse sentido também surgiram. O caso da CEMEX é um exemplo de que empresas podem encontrar soluções de negócios para contribuir com soluções sociais para a população. A empresa lançou em 1999 o Patrimônio Hoy (PH), uma estratégia de venda, distribuição e poupança para atender o enorme mercado de construção própria existente no país. Habitação é um dos principais desafios sociais no México, uma vez que há necessidade de aproximadamente 1,5 milhão de novos lares anualmente. Com um programa financeiramente bem estruturado com ciclos de dez semanas e pagamentos de US$ 13 por semana; com uma estratégia de distribuição e serviços complementares aliada a funcionários contratados das comunidades de baixa renda; a CEMEX atingiu ganhos em vendas e lucratividade, assim como melhorou sua imagem corporativa. Para a população de baixa renda, os ganhos não foram apenas relacionados à ampliação de habitação, mas também ganhos de renda com os empregos gerados.

No entanto, em última análise deve-se considerar o impacto ambiental gerado pela atuação da empresa neste projeto. Sabe-se que o impacto ambiental da produção de cimento é bastante elevado, uma vez que o processo emite enorme quantidade de gás carbônico à atmosfera, contribuindo negativamente para a redução do aquecimento global. Neste quesito, é preciso avaliar as políticas de sustentabilidade da CEMEX para avaliar o retorno combinado (Blended Value) de sua atuação. Percebe-se, assim, que, como todo sistema complexo, uma empresa deve buscar coerência em suas práticas para potencializar o retorno das principais variantes de seu negócio. 

Exemplos como esses últimos, às vezes, também são interpretados como Empresas Sociais, pois promovem impactos sociais a mercados antes não atendidos. Trata-se de programas que vão alem da Responsabilidade Social (RS) tradicional, pois são iniciativas sustentáveis e rentáveis. Assim, algumas empresas, por iniciativas desse tipo ou por boas práticas de RS, são muitas vezes consideradas Empresas Sociais, ainda que seu principal objetivo corporativo não seja social.

Diferentemente do posicionamento destes últimos, que consideram empresas com objetivos explicitamente financeiros, mas que desempenham atividades sociais, através da Responsabilidade Social Corporativa, produtos para Base da Pirâmide, etc, o The 2,5 Sector Project advoga que uma empresa, para ser considerada uma Empresa Social, precisa ter um propósito social explícito e relacionado ao seu core business.


21/04/2008

Por Fernando Mistura
The 2.5 Sector Project

Empresas e Negócios Sociais: um novo paradigma capitalista
Origem e evolução de Empresas Sociais

The engine of the capitalist system is supposed to be fueled by greed . . . We must envision a world which has not only greedy people, but also people with strong feelings for their fellow human beings . . . Both types of people can be in the same market place, using the same tools and concepts of capitalism but pursuing completely different goals.”
-- Muhammad Yunus, Founder, Grameen Bank

Na busca por maneiras sustentáveis e inovadoras de desenvolvimento econômico e social, as sociedades têm exigido das empresas maior transparência, inovação, ética e responsabilidade. No entanto, as empresas, de início, apenas responderam s exigências de seus mercados, adotando processos sustentáveis e realizando ‘responsabilidade social’.
  
Essa postura reativa, ainda que melhor do que o capitalismo perverso a qualquer custo, não é suficiente para que questões sociais, como pobreza, desigualdade, etc, melhorem. Mesmo que empresas reduzam a zero seus impactos negativos, e desconsiderando o impacto da área pública, ainda teremos no mundo, aproximadamente, 4,5 bilhões de pessoas vivendo com menos de U$S 2 por dia.

Neste contexto, os empreendedores sociais assumiram um papel importante na inclusão das pessoas ‘marginalizadas’ no sistema político-econômico de seus países. Ainda assim, esses empreendedores, que contribuem para avanços sócio-ambientais, dependem de financiamento externo e, muitas vezes, não conseguem promover avanços econômicos. Soma-se a isso, a dificuldade em competir por profissionais de qualidade, sem recorrer ao quadro de voluntários que não podem se dedicar integralmente às organizações.

Dessa maneira, criou-se o ambiente para o surgimento das empresas sociais. Empresários e empreendedores com anseios sociais, ambientais e econômicos perceberam que o principal agente econômico do sistema capitalista – as empresas – poderia compartilhar o que dispõe de melhor – estrutura, recursos financeiros, eficiência, etc – com o que um dos principais agentes sociais das modernas economias capitalistas – as organizações sociais – dispõe, ou seja, sua missão social.

Surge, então, o empresário social e a empresa social. Esse novo modelo de organização ainda está se constituindo em muitos países. Com características e formas de atuação distintas, as empresas sociais têm tomado a atenção de acadêmicos, políticos e empresários ao redor do mundo, culminando com o Premio Nobel da Paz ao criador do Grameen Bank e economista Muhammad Yunus. Em alguns países, em estado mais avançado como Reino Unido, esse novo agente do capitalismo já possui framework próprio, com legislação própria e incentivos governamentais. Em outros, como é o caso da Índia, surgiram diversos modelos de Empresas Sociais sem que haja qualquer amparo legal do governo. No Brasil, ainda pouco se sabe e discute sobre o assunto.

Malgrado ser um conceito recente, com características distintas, vago em alguns casos, possui algo em comum em todas as análises e interpretações: vem para complementar o capitalismo naquilo que lhe faltava: sensibilidade a questões não econômicas. De modo geral, as Empresas Sociais vão além da geração de empregos, que é a principal contribuição social de empresas tradicionais, seus próprios produtos e serviços provocam impactos sociais positivos, ao mesmo tempo em que são remunerados economicamente.

21/04/2008 

Por Fernando Mistura
The 2.5 Sector Project
f.mistura@gmail.com

Popularizando Cirurgias Oftalmológicas: Aravind Eye Care System / Aurolab

Após um período repleto de novas experiências e muita correria, retorno ao blog para postar, possivelmente a iniciativa mais desenvolvida e madura do setor 2.5. No momento, estamos trabalhando no segundo promo de nosso documentário para captarmos recursos e comerçarmos sua pós-produção. Além disso, muitas oportunidades surgiram em pararelo e estamos trabalhando para potencializar ainda mais o projeto. Nossa missão continua: mostrar que business solutions podem ser uma alternativa para mudar o mundo!

Popularizando Cirurgias Oftalmológicas: Aravind Eye Care System / Aurolab
Índia

Focando em inovações no processo de trabalho, desde identificação do paciente até atendimento pós-operação, a Aravind Eye Care System tornou-se o maior complexo de tratamento oftalmológico do mundo e o mais produtivo, com resultados de nível internacional. O complexo conta com hospitais, centro de fabricação de lentes sintéticas e medicamentos para os olhos, instituto de pesquisa, banco de olho internacional, instituto de pós-graduação e centros comunitários.

A Aravind realiza mais de 200.000 operações de catarata por ano. Com um método revolucionário de identificação de pacientes que necessitam de operações e tratamento dos olhos, através de 1.500 "eye camps", a Aravind conseguiu uma produtividade da equipe médico-enfermeiro 6 vezes superior as demais na Índia e consideravelmente superior aos padrões dos EUA. O nível de qualidade também é bastante superior as melhores práticas conhecidas. O custo por operação é de US$ 50-100, comparado a US$ 2600-3000 nos EUA.

Para aumentar seu impacto, a Aravind criou uma empresa, Aurolab, para fornecer suas próprias lentes interoculares e as vende por US$ 5, comparado a US$ 200 nos EUA. Desde sua criação em 1992, a Aurolab forneceu 5 milhões de lentes a seus consumidores na Índia e em mais de 120 países. O complexo Aravind cresceu e agora inclui pesquisa, produção de suprimentos, treinamento e telemedicina. A Aravind é extremamente focada em trazer soluções de primeira para a base da pirâmide, o que exige inovações nos processos de tratamento. Assim, a empresa possui uma estrutura baseada em baixos custos e alta escala, de modo a tornar tratamento acessível a todos.

21/04/2008 em Paris, França.

Fernando Mistura
The 2.5 Sector Project
f.mistura@gmail.com

2/26/2008



















Uma revolução nas Microfinanças: Aavishkaar Micro Venture Capital Fund
Índia

No início do ano 2000, o empresário de negócios sociais Vineet Raí criou esse Fundo de Micro Venture Capital com intuito de transformar inovações rurais e semi-urbanas em negócios sustentáveis que sejam sócio-ambientalmente responsáveis e que tenham potencial de transformação social. O fundo de US$ 6 milhões contribui injetando capital e conhecimento em fases difíceis do estabelecimento de uma empresa. 

O microcrédito já é bem reconhecido pelo potencial de redução de pobreza que possui por incluir no sistema financeiro pessoas que não possuem garantias reais para obter crédito junto aos bancos tradicionais. O Aavishkaar revoluciona quando traz a lógica de micro-investimentos para organizações baseadas em inovações rurais e semi-urbanas. Assim, o fundo entende que pode promover o desenvolvimento econômico e reduzir a pobreza de um número superior de pessoas, uma vez que viabiliza empresas que serão também orientadas por objetivos sociais.

As operações começaram em 2002 com pouco mais de US$ 1 milhão. No total, foram feitos 13 investimentos. A estratégia é financiar start-ups e empresas iniciantes que atendam aos requisitos (ambientalmente responsável, comercialmente viável, com potencial de gerar empregos, renda para população rural e semi-urbana, e retorno aos investidores) tendo como foco clusters geográficos. No início, o fundo aportava no máximo 20% do capital do fundo e com limite de participação de capital social de 49%. No entanto, com seu crescimento estes critérios devem mudar.

As boas projeções têm atraído novos investidores ao fundo, destacou Vineet Rai, Fundador e Diretor Presidente, em nossas entrevistas. Dessa maneira, ele pretende se tornar um fundo de aproximadamente US$ 20 milhões ainda este ano.
Para ser competitivo e poder operar, o fundo atende aos padrões internacionais de venture capital funds e obedece os regulamentos da Securities and Exchange Board of India (SEBI).

Além do Aavishkaar Micro Venture Capital Fund (AMVCF), Vineet é ainda co-fundador de outras duas instituições, Intellectual Capital Advisory Services (Intellecap), Aavishkaar Goodwell Índia Microfinance Development Company (AGIMDC), Aavishkaar Venture Management Services (AVMS). Todas as iniciativas são Setor 2,5.

2/04/2008


Delhi, 5 de fevereiro de 2008.


A passagem por Bangladesh foi intensa. Ficamos bem focados em conhecer a experiência da joint venture Grameen Danone Foods, em Bogra, a cinco horas de carro da capital Dhaka. A joint venture, que começou sua operação há um ano, desenvolveu um modelo de produção de um iogurte ingredientes locais, envolvimento das mulheres apoiadas pelo Grameen na distribuição, uma planta de fábrica sustentável, e um modelo que em alguns anos também será lucrativo - facilitando a expansão do produto e o combate a subnutrição no país.

Sem dúvida, um dos pontos altos foi a ida a um dos encontros do Grameen Bank com um grupo de mulheres apoiadas há um ano pelo banco, que nos contaram o que tinha mudado em suas vidas com o microcrédito. Para os que já leram o livro, recomendamos, sobre a experiência do banqueiro M. Yunus, talvez seja fácil imaginar como ficamos emocionados.

Bangladesh é bastante diferente da Índia. Para começar, não há mulheres nas ruas da cidade, ficam somente em casa ou nas áreas rurais. Para o microcrédito, no entanto, elas são a porta de entrada para o dinheiro na família, e na comunidade que visitamos era visível o quanto eram participativas e cruciais nas empreitadas produtivas. Mesmo assim, as mulheres da equipe do projeto se sentiram pouco à vontade nas ruas e, em alguns momentos, não ouvidas pelos homens.

Entre as mudanças citadas pelas mulheres estão a compra de cabras, a compra de suas casas, a continuidade dos filhos nas escolas (viabilizada pelo aumento da renda do investimento produtivo), entre outras. Ficamos impressionados com sua organização e empolgação com a nossa visita. Um ótimo jeito de finalizar nossas filmagens de campo nesta viagem, e perceber o potencial que as empresas sociais tem para a transformação que acreditamos ser possível no mundo.

O que é um Negócio Social?

Organização cuja missão é explícitamente de transformação social e que para isso adota estratégias de negócios geradoras de renda como principal veículo para atingir seu propósito social, impactando diretamente a vida de populações fragilizadas. Pode assumir um modelo com ou sem finalidade lucrativa, mas sua autonomia financeira é dada pela atividade-fim da empresa. Os principais campos de atuação são: alimentação, serviços financeiros, acesso à energia e água potável, desenvolvimento econônomico, saúde, etc.